Há tempos, viajei de Macinhata do Vouga em automotora, indo sentar-me ao lado de um sujeito palrador como eu, e de cabelos brancos como os meus, com o qual, até chegar a Terras do Botaréu, entabulei farta conversa.
Procedente da cidade de Espinho, reformado da CP, vinha de passeio, pois, como me disse, por aqui andara muitos anos de serviço, noutros tempos, e muito gostava desta linda região.
Não perde “pitada” da paisagem e sempre que vê terras agrícolas a “monte” ou reduzidas a floresta, é mordaz nas suas críticas. Suavisando os propósitos, diz: “Não é só por aqui, disto também há pelos meus lados, … por todo o país”. E céptico, adianteou: “Deus queira que me engane, mas ainda se há-de voltar a fabricar tudo, e não chegará”.
Passando na Mourisca, vimos alguns quintais entregues ao domínio das ervas. Meneou pausadamente a cabeça e guardou para ele o que pensava. Mas deu para perceber o que lhe vai na mente. E digo eu: “Sinal triste dos tempos!…
Folgou com a expressão e replicou: “Isso mesmo! Como português, que mágoa a minha que as terras que os nossos avós arrptearam com tanta sacrificio, tenham chegado a este estado”. Verberou o Estado e não poupou o desleixo dos lavradores. Disse-lhe: “Coitados, estes que culpa tem, se não tão poucos os apoios que recebem?”
A conversa estava para durar, mas tão rapidamente nos absorveu o tempo que a automotora deu entrada na estação dos CF em Águeda, quase sem darmos conta. O homem seguiu e eu fiquei. E, comigo, ficou a simpática imagem que a sua agradável maneira de ser me deixou.
ALCIDES MELO
Soberania do Povo